sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Bom dia freguesa!

É sempre por volta das quatro horas da manhã. No sábado, que tem feira aqui perto, o caminhão liga antes mesmo das três. Hoje o boteco da esquina tocou forró a tarde inteira. A Dilu dançou de capacete com o coroa barrigudo no meio da rua, depois pegou a bis e saiu pilotando toda contente. Talvez já um pouco alta por causa da cerveja. A farra durante a tarde deixou a noite silenciosa, o que me fez escutar melhor o barulho do caminhão. O forró geralmente me incomoda, mas acho que eles preferem quando a música está bem alta. Quando fazem festas, é possível ouvir o som de longe. Dançam alegres no galpão que construíram para estacionar o veículo.

Estou sempre dentro de casa, mas imagino como começa o dia dos feirantes que moram aqui ao lado. Ainda com o rosto amassado do lençol, devem carregar as primeiras caixas com certa lentidão. Eles não são muitos. Conheço dois, mas sempre aparecem outros ajudando durante o dia. Talvez o mesmo aconteça de madrugada. Ou não. Depois de diminuir duas pilhas de caixotes, começam a suar e tiram a camisa. Deve ser nessa hora que começam a falar mais alto. Não posso entender as frases, mas como uma mudança, deve haver sempre alguma coisa que não deve sair do lugar, ou ser colocada acima, abaixo.

Durante o dia, a casa onde vivem pode ser vista do começo da rua. Mas da calçada deles só é possível ver uma das esquinas. Os caixotes fecham a visão do outro lado, e funcionam como uma parede de madeira que se estende do portão até o meio fio. As crianças que saem das vielas para brincar se aproveitam, pegam quatro caixas mais acabadinhas e montam seu campo de futebol improvisado.

Certa vez, houve uma guerra de tomates. Deveriam estar mesmo muito podres, pois nunca vi frutas ou legumes jogados fora por aqui. Se não foram recolhidos após a chepa pelos que não podem ser fregueses na feira, de certo não deviam mesmo prestar mais. Foi uma algazarra.

Imagine a trabalheira de montar uma barraca de feira: carrega caminhão, monta barraca, descarrega caminhão. Tudo pronto até as oito horas? Não sei bem a hora que começa uma feira. Minha mãe sempre foi depois das dez. Mas parece que hoje em dia o horário da chepa mudou para depois das onze. Também não sei a hora que termina. Mas o cheiro da barraca de peixe permanece na rua durante toda a tarde.

Depois de deixar os melhores produtos na frente da barraca, começam as vendas. Tudo isso para montar um mercado que só dura uma manhã. Não sei quantas feiras eles fazem. Aqui por perto tem no sábado, na quarta e na quinta. Mas eles devem fazer a mesma coisa nos bairros vizinhos. Ou até mesmo mais longe.

Alguém me falou, li em algum lugar ou simplesmente inventei, que todo mundo quer ter a feira o mais perto de casa, mas nunca na frente dela. E quem tem a feira dentro de casa? Eles têm. E me parecem felizes com isso. Aliás, já perceberam a diferença no olhar de um trabalhador que sua, literalmente, para conseguir uma remuneração? Percebam! Não existe a névoa dos que atendem filas por aí, com suas cadeiras de rodinhas e minimizando janelas quando a porta bate. O suor traz uma sensação de dever cumprido, de esforço, de ter valido a pena.

Um comentário:

Da Silva disse...

Quem mora em rua que tem feira fica sem poder sequer sair com o carro, fora o barulho e o lixo.

Mas com ela ali do lado é uma beleza.

O legal é que esse pessoal consegue trabalhar no coletivo, sem essa competição autofágica de qualquer grande empresa.

bjs